sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Espírito de natal


É natal, ou noite de festa, como se diz no Sertão. Severino tem trinta e oito anos, dois filhos, trabalha numa repartição pública, mora em uma casa confortável, tem carro, não tem do que reclamar em seu padrão de vida. Porém, como em todo natal, Severino está triste, o motivo, jamais conseguiu resolver a grande dúvida de sua vida: afinal, Papai Noel existe?
Todos os anos a comemoração natalina na casa de Severino é igual, ele compra presentes para os filhos, sempre atendendo aos pedidos colocados dentro de meias e pendurados na lareira, isso mesmo, lareira, com chaminé e tudo, é bem verdade que poucas vezes foi utilizada, também com o calor que faz na Paraíba, estado em que a família mora. A árvore está perfeitamente enfeitada, com bolas, sinos, papais-noéis, guirlandas, tudo que se tem direito. Os presentes à festa usam gorros vermelhos, comem peru, panetone, cantam Jingle Bells, existe até uma máquina que fabrica neve de mentira. O dono da casa tenta se manter alegre, mas não consegue pensar noutra coisa senão em seu dilema.
Depois da meia-noite, aos poucos todos vão dormir, menos Severino que continua a contemplar sua árvore. Por volta de uma da manhã a campainha toca. “Quem será numa hora dessas?”. Bem devagar ele abre a porta, do lado de fora estava uma figura curiosa, um senhor gordo, com uma enorme barba branca, vestido com uma bermuda, uma camisa de meia e sandálias de dedo.
- Há, há, há - sorriu o estranho.
- Não entendi! - Espantou-se Severino.
- Você queria que eu chegasse fazendo, hô, hô, hô? Lamento, mas ninguém ri assim na vida real - Respondeu o velho.
- Quem é você?
- Ora, quem sou. Sou Papai Noel.
- Claro, e eu sou um dos duendes - Ironizou Severino.
- Não, você é um pouco mais alto do que eles. - Rebateu o velho, que continuava em pé do lado de fora da casa.
- Olha, já é tarde, eu preciso dormir, boa noite! - Disse Severino tentando encerrar a conversa.
- Sei que não é muito cedo, mas infelizmente eu não tenho mais o mesmo pique de antes, me perdoe. - Desculpou-se o barbudo.
- Está bem Papai Noel, por que você não deixa para me visitar num outro dia, quem sabe no ano que vem?
- Porque você precisa de mim hoje. Olha, poucas pessoas têm o privilégio de me verem pessoalmente, todos os anos eu escolho apenas duas pessoas, você é uma delas, parabéns.
- É mesmo? E quem foi a outra? - Novamente ironizou Severino.
- Uma pequena de treze anos. Criança esperta, mora lá na Coreia do Norte, adorei conhecê-la.
- Tchau. Vá com Deus! - Falou Severino já com um pouco de irritação.
- Por que você está tão descrente? Afinal, você é um dos poucos adultos que acreditam na minha existência.
- Como sabe disso?
- Sou Papai Noel, leio suas cartas. Papai Noel, ou você preferia que me apresentasse como Santa Claus?
- Olha, eu não sei o que você quer, mas não tenho tempo para ficar aqui fora, com licença - Disse Severino já fechando a porta.
- Você gostou do telescópio que ganhou quando tinha dez anos? - Perguntou o estranho.
A porta se fechou. O homem ficou parado no mesmo lugar em que estava antes. Alguns segundos depois, a porta se abriu. Severino olhou para o velho e perguntou.
- Quem lhe contou sobre o telescópio?
- Eu o dei pra você, ora bolas.
- Você não é Papai Noel. E se for o que aconteceu com a roupa vermelha? Você foi assaltado? - Perguntou Severino em tom de gozação.
- Não, claro que não. Aquelas roupas eu até que uso, mas apenas quando estou em lugares frios, convenhamos, aqui eu iria derreter com aquilo, este modelo é bem mais confortável.
- Ah é, eu tinha esquecido do calor. Mas e cadê seu trenó, as renas?
- Estacionei aí de frente, espero que não se incomode.
Severino olhou e viu uma carroça puxada por um jumento. Em cima da carroça havia um grande saco vermelho. Notando o espanto do anfitrião o velho se apressou em explicar.
- Ele é muito útil, as renas são boas, mas só trabalham pra valer mesmo no polo norte, é a história do clima de novo.
- Um jumento? Seu trenó é uma carroça puxada por um jumento?
- Qual o problema? Um desses carregou Jesus e a virgem Maria. Por que não pode conduzir Papai Noel? - Explicou o homem.
- Você é louco!
- E quem não é?
- O que tem no saco?
- Muitas coisas. Brinquedos, presentes, sonhos, fantasias. Muitos produtos, alguns com preço imensurável.
Severino correu para a carroça, abriu o saco, ficou espantado quando percebeu que o saco, embora aparentasse um grande volume, estava totalmente vazio. O estranho esclareceu:
- Apenas os donos dos sonhos podem vê-los, tocá-los ou senti-los. Para os demais eles são invisíveis ou mesmo inexistentes. No natal todos aqueles que têm a coragem de sonhar, de viajar, sem medo, pelo universo da própria mente recebem presentes, não o que pedem, mas o que verdadeiramente desejam. O problema é que a maioria não consegue ver tais maravilhas porque para enxergá-las é necessário que se feche os olhos, muitos ainda temem o escuro.
Ouvindo isso, Severino olhou para o céu, as estrelas pareciam brilhar mais intensamente, ele as contemplou por um breve instante, fechou os olhos e voou. Quando se voltou para o velho percebeu que ele havia sumido juntamente com a carroça, o jumento, o saco, tudo desapareceu. “Terá sido um sonho?” pensou. A resposta ele nunca teve, porém daquela noite em diante suas noites de natal passaram a ter menos glamour, entretanto muito mais magia, fantasia e realidade.