terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Suor e flores

De pé em frente ao espelho, corpo inteiro no reflexo. Olhos a se encarar, observa não o brilho castanho das íris, apenas as linhas de expressão, pés de galinha. Tenta esticar com a ajuda das mãos, vira para um lado e outro. Muda o foco para as pequenas cicatrizes da idade ao lado da boca. Faz ginástica facial. “Fico mais velha sorrindo!”. Vestida com uma calcinha lilás, aperta os seios desnudos enchendo as mãos, nota o quanto ainda são duros, tranquilamente pode dispensar sutiãs. Vira-se para olhar a bunda. Embora empinada, o que mais chama sua atenção são os buraquinhos que desarredondam o bumbum.
Divorciada, mãe de três filhos: um estuda no Canadá, através de um programa governamental canadense; outro preso acusado de estuprar a namorada de 14 anos; a mais jovem mora com o pai. Aos 52 anos vive na companhia de uma gata dengosa e de um pinscher nervoso, que cotidianamente aparece arranhado por unhas felinas.
Vai a academia três dias por semana, disciplinada segue ao máximo o programa do personal. Corre na esteira, faz musculação, mas não é daquelas aficionadas que se matam e se privam de alguns prazeres em busca do corpo ideal.
Engenheira civil, sócia de uma grande construtora, fiscaliza obras, muita responsabilidade, mulher de foco. Quando está no canteiro se impõe, mostra quem manda, exige o melhor de quem está no cimento, nas pedras, no ferro, no sol ou na sombra.
Manhã de quarta-feira, chega na construção de uma escola, obra já adiantada, acabamentos finais, foi, acompanhada de uma paisagista, verificar como anda a finalização da área reservada a um grande jardim, quase uma floresta, exigência do contratante: “a área verde deve ser a mais importante do colégio” disse num riso de mil dentes o dono da rede educacional que encomendou o serviço. Anda pelo espaço, grama, mudas, pequenas árvores trazidas para enfeitar a frente do futuro educandário. A visão da paisagista se enche de emoção ao ver o verde exuberante e harmonicamente distribuído. Já a engenheira procura defeitos, desde o alinhamento das alamedas até sintonia entre a grama e as luzes nos postes.
Mas, nesta quarta, algo em especial chama sua atenção, um rapaz que regava flores. Achou contrastante tanta força e delicadeza juntas em sintonia. Parou próximo ao jovem de cabelos curtos, quase raspados, e braços fortes, sua mão grossa segurava um regador azul, as rosas banhadas se deliciavam, não se sabe se saboreando a água ou desejando o moreno. Barba cheia, não grande, olhos firmes, não havia sonhos em seu olhar. Uniforme amarelo, igual a todos os outros trabalhadores no local, para ela, porém, aquele homem estava de vermelho, quase vinho, como seria bom um vinho! Aproximou-se, viu gotas de suor na testa do moço, imaginou como estaria seu peito suado.
- Bom dia!
- Opa! – respondeu o rapaz parando de regar.
- Como está o trabalho?
- Normal. Agora tô aqui com as flores, também cuido das palmeiras, das frutas... tá vendo aquelas árvores ali? Daqui a uns anos aqui vai tá cheio de manga, cajá, goiaba e até seriguela.
Ela nem ouviu direito o que foi dito, seus ouvidos estavam longe, seus olhos fixos nos atributos não profissionais do jardineiro. Cada movimento parecia de propósito, um simples curvar de braço apresentava um tônus exibicionista. O delicado gesto de ajeitar o pequeno botão meio caído, era cheio de uma masculinidade bruta, completa e antagônica, entre pétalas, espinhos e testosterona.
Daquele dia em diante, ia todas as manhãs àquela construção, mesmo que não precisasse de sua presença. De praxe, procurava o jardineiro, sempre suado, charmoso e atencioso. Conversava amenidades, sorria, passava a mão no cabelo colocando por trás da orelha, elogiava o jardim, perguntava das árvores... o rapaz, sempre cortês, derramava desejo pelo canto da boca, exalava tesão pelos poros, o ar se enchia da vontade mútua.
Todos os dias, antes de ir à obra, ela passava uma hora e meia na academia, três vezes por semana passou a ser pouco. Correndo na esteira, imaginava as cenas proibidas que queria ter logo mais: no canteiro de obras, ser jogada no gramado ou à sombra de uma planta qualquer, um pé de pau! Em todos os exercícios via o galante cultivador observando suas curvas, babando, parado em sua frente, cobiçando tudo que a malha mostra e principalmente o que esconde. Passou a fazer ciclismo e natação.
Em casa paquerando com o espelho, acaricia-se em cremes, hidratantes, não há mais estrias ou celulites, os seios, sempre duros, agora olham para cima, calcinha vermelho paixão, sua jovialidade não cabe no reflexo.
Sábado, dez horas, chega à escola, ao seu éden, na certeza de que convidará o moreno suado para um drink, uma dança na noite, ou, se sua ousadia e autoestima permitirem, um passeio pelas suas flores. Desfila confiante entre andaimes e assobios. Trocou a bota pelo salto, colocou seu sorriso mais brilhante, o rebolado mais rítmico, o espírito mais luxurioso... Para de frente ao jardineiro, ele congela, trêmulo, solta uma pazinha cheia de adubo. Grandes olhos negros a fitarem a loira pintada a sua frente. Ela sorri, ele entende o momento, mãos nervosas, voz gaga, quase inaudível, após uma respiração demorada, certo de que conquistará a mulher, xeque-mate, ele diz:
                           - A senhora quando era nova devia ser bonita!