sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Felipe, o cachorro e o graveto



O São João de Campina Grande, dizem, é o maior do mundo, mesmo assim Felipe, estudante e servidor do IFPB, e seu colega Marcelo, campinenses da gema, resolveram que seria legal curtir pelo menos uma noite das festas juninas na cidade de Patos, que segundo os patoenses, pode não ser o maior, mas é o melhor da Paraíba, Sílvio Ilha que o diga. Os dois festeiros organizaram tudo, inclusive quebraram os porquinhos pra gastar na farra. Malas prontas, moedas nos bolsos, más intenções nas cabeças, a dupla pegou o Felipemóvel e desceram a Serra da Borborema em direção à Morada do Sol.
Ao chegar a Patos, o clima quente e festivo tomava conta da cidade, Felipe e Marcelo não cabiam dentro de si de tanta empolgação, mesmo sem o forró ter começado os dois já estavam dançando (separados, claro). Partiram direto para o Coreto e lá começaram a encher a lata.
A noite caiu, os dois se dirigiram ao Terreiro do Forró, chegaram antes das bandas começarem, foram os primeiros na avenida. A noitada foi regada a forró, cachaça e cachaça com forró. Madrugada adentro, os foliões vão se recolhendo; aquele clima de fim de festa. Acontece que os prevenidos campinenses não tinham reservado hotel, pousada, ponte ou qualquer outro tipo de guarida. Solução: dormir o restinho da noite dentro do carro. Felipe no banco do motorista e Marcelo no banco do carona. Depois de alguns minutos Marcelo não aguentou o calor e o mau cheiro que empestava o veículo, consequência da bebedeira. Quase sem conseguir respirar, ele sai do carro e se deita tranquilamente na primeira calçada que encontra.
Por volta das sete horas da manhã, Felipe sente uma lambida no cotovelo, ainda dormindo se movimenta no banco, mas o carinho continua, atordoado, o jovem desperta e com os olhos cheios de remela vê um imenso cachorro no banco de trás do celta. Se tremendo mais do que vara verde, e tentando não zangar o cão, o rapaz sai sorrateiramente do carro. Ao avistar Marcelo, que dormia todo esticado na calçada, Felipe corre para acordá-lo e contar o estranho fato de um cachorro ter surgido do nada dentro de seu carro.
- Eu deixei a porta aberta pra você não morrer cozinhado ou asfixiado. – esclareceu Marcelo.
Os dois se olharam e tentaram traçar uma estratégia para retirar o indesejado visitante canino de dentro do veículo. Felipe pensou rápido e disse: “Já sei.” Pegou um graveto que estava ao lado do pneu dianteiro direito do celta e foi cutucar o cachorro. O bicho ao ser incomodado mostrou todos os dentes e rosnou com raiva para os dois que o perturbavam. Felipe deu uma carreira que quase vai parar em Santa Luzia, Marcelo atrás dele gritando: “peraí”. Sem ter o que fazer, os corajosos se sentam no meio-fio, colocam as mãos no rosto e esperaram calmamente pela boa vontade do totó.
Horas depois, o suor descendo, as tripas roncando, as cabeças doendo de ressaca, a vontade de voltar pra casa aumentando, a esperança do cachorro sair já se acabando, eis que o vira-lata se levanta, sacode as pulgas e sai do carro tranquilamente. Antes de ir embora o cão encara a dupla, mostra os dentes como que estivesse sorrindo sarcasticamente e parte abanando o rabo.

domingo, 29 de maio de 2011

Abaixe as calças!



Como cantou o grande Jackson do Pandeiro “o povo falou vá ver, ou foi, ou é, ou está pra ser.” Alguns incrédulos dizem que a história que vou relatar agora não passa de balela, conversa fiada; por outro lado, estudiosos das filosofias discutidas nas mesas de bar ou nas horas do cafezinho em ambientes de trabalho, juram de pés juntos que este causo realmente aconteceu. Bom, verdade ou não, o fato é que quem me contou os detalhes do ocorrido foi o próprio protagonista.
Diz a lenda que um professor de uma renomada escola da cidade de Campina Grande, estava andando calmamente, por volta das seis horas da noite, nas margens do açude velho, principal cartão-postal da cidade, o mestre olhava a paisagem enquanto saboreava um picolé de graviola. De repente, um elemento, vindo Deus sabe de onde, encosta o cano frio de um revólver nas costelas aquecidas do professor, com uma voz rouca o meliante fala próximo do ouvido da vítima:
- Abaixe as calças!
O sangue do docente foge, ele fica da cor do picolé de graviola que, graças ao susto, escorrega de suas mãos. Um pouco trêmulo, tentando recuperar o fôlego e rubor das faces, ele pergunta sem nem olhar para o bandido:
- E vai ser assim em pé mesmo?
- Bora mermão, tira logo a porra dessa calça. Quer morrer? – ameaça o sujeito, enquanto olha em volta verificando se a polícia está por perto.
- Não tem nem uma conversinha antes? Sei lá, talvez atrás da árvore seja melhor. Aqui o povo pode ver.
- Que história é essa? Deixe de demora, tira logo a calça.
- Tá bom. Mas, pelo menos, o senhor tem uma camisinha? – Perguntou o professor já tirando a calça e os tênis.
- Camisinha? Num quero saber de camisinha, nem de blusinha, nem de camisão...
Neste momento, um outro cara surge por detrás de uma palmeira e se aproxima da dupla.
- Vamo logo rapá, se demorar os homi chega.
- Ave Maria! E vai ser dois? – indaga o professor suando frio.
- Tô terminando. – afirma o primeiro bandido tirando a bermuda.
“Como Terminando?” Reflete o professor olhando pro vilão. O sujeito do revólver começa a vestir as calças do mestre e também calça seus tênis.
- Deu certin. – comemora.
- Vamo s’imbora, que eu ainda preciso fazer meu assalto. – fala o segundo cara puxando o companheiro pela camisa.
O professor fica parado em pé na borda do açude, sozinho, só de cueca, olhos arregalados, ombros caídos, testa franzida, depois de respirar fundo, ele diz:
- Assalto?!

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Versatilidade



Tenho certeza de que se tentasse ganhar a vida no mundo empresarial iria à falência mais ligeiro que carreira de gente com dor de barriga em busca de banheiro. Não tenho tino pros negócios, não sei vender e, às vezes, nem comprar. Mesmo assim, admiro aquelas pessoas que conseguem sucesso no comércio. Conheço sujeitos que são capazes de vender gelo na Sibéria, carne de vaca na Índia e camisa do Palmeiras dentro da quadra da Gaviões da Fiel.

Como não sou um bom negociador, nutro a esperança de ficar rico ganhando na loteria, nem penso na Mega Sena acumulada, é dinheiro demais, não saberia o que fazer com ele. Um dia desses, lá estava eu na fila da casa lotérica aguardando minha vez para fazer uma fezinha. Detesto filas (existe alguém que goste?). Na minha impaciência, bato com os dedos na face, agito o calcanhar enquanto me apoio sobre o peito do pé, observo o movimento no calçadão. Pessoas num constante vai-e-vem. Vendedores de DVD’s piratas, garantindo que seus produtos são originais. Um apóstolo de Cristo que, com um megafone em punho, prega a conversão dos pecadores, anuncia o fim do mundo e a morte dos ímpios. Um palhaço sem graça fazendo propaganda de uma ótica. Muitos ambulantes, um deles, com várias sombrinhas penduradas no braço e uma aberta sobre sua cabeça fazendo seu comercial:

- Olha a sombrinha! Não fique no sol, se proteja contra o câncer de pele. Olha a sombrinha!
Meus olhos se detêm naquela figura. A fila parece não andar, ao contrário do vendedor de sombrinhas, que se movimenta de um lado pro outro, sobe num canteiro, aborda transeuntes, vende uma toda estampada a uma senhora que, com muita elegância, abre o objeto e sai desfilando.

Olho pro relógio, estou atrasado, o cara do caixa conta dinheiro, a pregação do apóstolo começa a me incomodar. De repente, um vento frio, o céu fecha, nuvens carregadas aparecem do nada, a voz no megafone avisa que aquilo é apenas o primeiro sinal. Cai um toró. As pessoas correm em busca de abrigo, algumas estudantes colocam os cadernos protegendo as cabeças, é melhor molhar os conteúdos estudados na escola do que estragar a pranchinha dos cabelos. Olho pro ambulante das sombrinhas, penso alto “e agora?”. O camelô, com um grande sorriso nos lábios, continua seu ofício:

- Olha o guarda-chuva...

sábado, 9 de abril de 2011

Não sou brasileiro


Sempre me considerei um cara patriota, não sou desses que o sentimento de amor à nação aflora a cada quatro anos. Tenho a Bandeira do Brasil em casa, sei cantar o Hino Nacional e também o da Independência. Não gosto de usar terno, mas, nas poucas vezes que visto paletó, exibo com orgulho um broche com o lábaro brasileiro na lapela. Mesmo assim, apesar de ter nascido na Paraíba, descobri que não sou brasileiro. Explico: o fato é que, por alguma jogada de marketing, venderam lá fora a imagem de que somos o país do carnaval, futebol e samba. Quando me lembrei disso, começaram as minhas inquietações acerca de minha nacionalidade.

Há muito tempo não pulo mais carnaval, participei da folia nos idos das matinês no Jatobá Club, ao som da orquestra de frevo formada por Hernani (os dois), Zé de Riba, Erasmo, Zé de Hernani, Neguin, Babata, Sargento Vandique, Valdeci Araújo e muitos outros. Depois ampliei meus horizontes carnavalescos, passei a pular (literalmente) nas festividades de rua em Cajazeiras, na época em que a folia acontecia na praça João Pessoa, ao som do trio elétrico Onix. De lá pra cá, abandonei o carnaval, geralmente fico em casa ou saio com alguns amigos em busca de diversão, mas nada que se pareça com a festa de Momo, no máximo, uma jogada ou outra de maisena na cara dos companheiros.

Enquanto ao futebol, nunca foi bom, na verdade, fui o pior jogador da escola, um dos piores da rua e o segundo pior da família, meu irmão Júnior conseguiu a façanha de ser mais perna-de-pau do que eu. Eu só jogava quando era o dono da bola, ou amigo do dono, ou então quando a quantidade de atletas fosse um número par, assim eu tinha que jogar senão um time ficava desfalcado, mas eu sempre era o último a ser escalado, consequências do “par ou ímpar”. Jogando na zaga fiz gol contra, no ataque cometi “cheiradas” inacreditáveis e agarrando tomei frangos memoráveis. Isso não me chateava, enveredei pelo basquete, joguei em todas as posições, fui campeão em jogos escolares e era um dos primeiros a ser escolhido.

No campo do samba, aí é que fico fora do tom, devo, como disse o poeta, não ser um bom sujeito. Não tenho coordenação motora o suficiente para o mexe-remexe desse ritmo, ou de qualquer outro estilo musical. Na melhor das hipóteses, arrisco um “dois pra lá dois pra cá” no forró, e antigamente, na época das tertúlias, ao som do DJ Leudemir França, me atrevia a dançar uma “música lenta”, como chamávamos as canções internacionais, que, na nossa cabeça e no nosso inglês péssimo, falavam de romances.

O Brasil é um país de dimensões continentais, unificado apenas pela língua, temos várias culturas, estilos, ritmos, crenças, tradições. Dançamos xaxado, fandango, carimbó, coco, cururu, ciranda; lutamos capoeira; tomamos cachaça, bebemos chimarrão; festejamos o São João (Campina tem o maior do mundo), o Sírio de Nazaré; nos fantasiamos para o bumba-meu-boi, o boi-bumbá, as cavalhadas, o maracatu; montamos pastoris, reisados, quadrilhas juninas; cremos em Deus, em Iemanjá, em Jesus, nas psicografias de Chico Xavier, no Padre Cícero, na Mãe-d’água, em nada. Mas, mesmo assim, somos o país do CARNAVAL, FUTEBOL E SAMBA. Não conseguindo me equilibrar nesse tripé, acabo me sentindo meio órfão de pátria, precisando ter uma nação pra chamar de minha. Então, salve a República Independente de Jatobá!

sábado, 2 de abril de 2011

As asas da ratazana


A dureza do vento molha
Cabelos, unhas e alma
Uma mão firme olha
A violência da calma

As pedras em movimento
Não conseguem se encontrar
Nos pés um pensamento
Do devaneio de andar

No ar vaga um beijo
Procura de face, destino
Invisível o que vejo
Homem lúcido em desatino

Barulho de penas n’água
Esqueleto de carne e urina
Vida de alegria e mágoa
Suando fumaça e neblina

Mulheres trepando na pia
Todos vomitando no teto
Lua cheia ao meio-dia
Linhas do círculo reto

Fogos apagando cigarros
Busca da cura letal
Bolhas de sabão em escarros
Começo após o final.

terça-feira, 15 de março de 2011

Beber na feira é cultura


As feiras livres são tradições em nossas cidades nordestinas. Num centro como Campina Grande, acontecem diariamente, mas nas cidades menores, elas ocorrem uma vez por semana, na maioria das vezes aos sábados ou aos domingos. Entretanto, em São José de Piranhas (prefiro chamar Jatobá) o dia escolhido foi a segunda-feira. É uma maravilha, o banco está aberto, as repartições públicas também, a semana começa em grande estilo.

Há alguns anos, eu e mais quatro amigos (Maurício Batista, Diogo Ferreira, Onasses Lins e Nenen de Lero) fundamos o Projeto: beber na segunda é cultura (tem até comunidade no orkut). Basicamente a ideia consistia em tomar uma (na verdade, várias) na feira livre piranhense. Devidamente equipados com câmeras fotográficas e filmadoras, seguíamos pelas ruas centrais de Jatobá colhendo imagens dos frequentadores dos bares e botecos, ou dos transeuntes que circulam em meio às barracas comprando, olhando ou apenas batendo um bom e saudável papo. A iniciativa veio a partir do fato de que beber em um dia de segunda-feira não é fácil, já que todos os pesquisadores precisam trabalhar em outras atividades, e, como diz Mainha, “segunda é dia de branco”. Mas, vez por outra aparecia um imprensado (especialmente o do carnaval) e aí reuníamos a equipe e íamos à feira. Com o passar do tempo, o grupo foi ganhando adeptos com maior ou menor presença: Cidinho (Painho), Filipe Alves, João de Vó (caba bem informado), Alan de Antônio Leite (guru do Alanismo, doutrina que mais cresce nas terras sertanejas), Arão Miguel (discípulo de Alan), Samiran Morais, Wedson do Peixe, Ciço Palitot (que, durante as nossas andanças, não solta o megafone), Laerte França, Irari, Marcelo Batista, Zinga, Luymar, Zena (antes, durante e depois de virar evangélico) Petrônio Ribeiro (autor de uma brilhante definição do dia da feira: “parece noite de ano!”), entre outros. A feira é a melhor representação da diversidade, pessoas de todas as classes sociais (embora alguns não admitam que vão a esses lugares), culturas, credos... cada trabalhador é um artista, mesmo os que não trabalham em arte. A última vez que estive em Jatobá foi durante as férias de final de ano. Não perdi a oportunidade, juntei a patota e fomos aumentar nossa cultura. Dentre os vários pontos altos das filmagens captadas em dezembro, merecem destaque: Iremar Ramalho entrevistando Alan; João de Vicente Lins e Zé Tomaz (Herbert Viana parece com ele) relembrando e cantando paródias suas, de Wilton e de Muriçoca, em especial uma intitulada “Sodoma e Gomorra em Jatobá”, infelizmente não posso revelar sobre quem fala a letra, prometi aos autores; Dira de ressaca trabalhando no seu mercado, enquanto tomávamos uma na calçada do estabelecimento; e Joaquim Cavalcanti assuletrano de maneira magistral palavras como: Gledson, Herminegildo e extraordinariamente.

Na serra da Borborema, mesmo morando há quase quatro anos, ainda não tinha bebido na feira. Entretanto, mesmo não sendo na segunda, resolvi corrigir este grave erro. Convidei Evaldo Soares, caba sabido que entende de informática, física e feira. No sábado, fomos à Feira Central que, segundo alguns frequentadores que conheci entre uma barraca e outra, já foi maior que a de Caruaru (!). Gostei. Fiz bonitas fotos, conheci muita gente boa, gente normal, sem máscaras, reais, que têm a única preocupação de ser elas mesmas. Conversei com um ex-motorista de um famoso jogador de futebol. Fotografei um peru que fez pose para a câmera e um ganso que não queria ser fotografado. Argumentei com um senhor que insistia em saber o porquê de tirar sua foto, disse pra ele que se tratava de um trabalho da faculdade. Sei, menti, mas relembro as sábias palavras do meu amigo Padre Deusimar, durante as poucas vezes que me confessei: “você não vai pro inferno por causa disso”, dizia ele me mandando rezar um pai-nosso ou dois. Convenci o homem, mas ele fez uma ressalva: “só tiro se for junto desse veio” disse puxando um companheiro com quem conversava. Fotografei um feirante que dormia sobre sacos de milho e feijão. Escutei a história de João, um ator das antigas que quase foi enforcado de verdade durante uma apresentação de A Paixão de Cristo (acho que isto já aconteceu também em Jatobá), corri atrás de um vendedor de picolé, destes que fazem propaganda com o famoso “olha o picolé”, tentando bater seu retrato, mas o picolezeiro fugia dizendo não ter dinheiro pra me pagar. Na Barraca do Chumbão, bebi uma cerveja geladíssima, na companhia de Paulinho, amigo de Evaldo, ele relatou a história e as histórias da Feira Central. Durante o percurso aproveitei pra comprar algumas coisas que estava precisando: um cinto, uma chave allen, um aquário e comida pra peixe, paquerei com um tênis, flertei com velas vermelhas e me encantei com flores naturais de várias cores e tamanhos. Seja em Jatobá, Campina Grande ou em qualquer outro lugar, na feira tem de tudo, lá é lugar de todos.

domingo, 6 de março de 2011

Em branco


Recentemente recebi pelo correio um periódico científico de uma famosa instituição federal de ensino, pesquisa e extensão. A publicação traz artigos sobre vários temas de relevante importância para a sociedade (?), todos assinados por pesquisadores que se debruçam sobre livros e passam horas em trabalhos de campo tentando descobrir algo novo que, talvez, mude os rumos da vida humana, ou não... No volume, muitas temáticas são abordadas, entretanto, o que mais me chamou a atenção (não sou cientista) foi o fato de que entre um texto e outro havia uma página em branco, ou melhor, quase em branco. No intervalo entre os artigos tinha uma lauda com a legenda: “Esta página foi deixada em branco propositalmente” (??). Alguém, com certeza, teve a intenção de não escrevinhar absolutamente nada naquelas folhas, mas, como existem os espíritos zombeteiros (aprendi assistindo ao programa do Chaves), outra pessoa com a melhor das intenções, pelo menos para mim que ri muito lendo a revista, resolveu rascunhar a frase intermediando os artigos, deixando as páginas, que estariam em branco propositalmente, com algo nelas. Talvez eu não tenha estudado o suficiente, mas acho que uma página “em branco” é aquela que não possui nada escrito... Todavia, possivelmente eu não deva discordar dos catedráticos, se escreveram que o papel estava em branco, é porque estava, apesar do letreiro explicativo.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Prelúdio


O toque do telefone acorda
Horário previamente marcado
Um tempo ainda deitado
No alto, amarrada a corda

Premeditado há três dias
Levanto, pés no chão descalço
À cozinha com fome me alço
Leite, café e torradas frias

Preocupação excessiva com imagem
Unhas cortadas, banho demorado
Creme no cabelo, dentes escovados
Como será que os outros agem?

Melhor roupa do armário
Perfume francês, borrifadas
Cartas bem elaboradas
É chegado o horário

Subo para descer amarrado
Mãos e pés em movimento
Tarde para arrependimento
O pescoço está esticado

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Liberdade


Estava contemplando o mar. Olhos fixos, um par de olhos verdes observando a imensidão azul. Pés descalços sentindo a areia fria. Braços abertos para abraçar a suave brisa do alvorecer. Nunca antes tinha visto a beleza do nascer do sol na praia, nunca tinha nem mesmo notado o quanto é fascinante a combinação: mar-sol nascente, mesmo morando em um apartamento com varanda para o oceano.
Vira-se, observa a cidade, metrópole que vai acordando. Aos poucos as vidraças dos edifícios à beira-mar vão brilhando refletindo os raios solares. A paisagem urbana é mais dura, menos glamorosa. Mas aos olhos curiosos do observador tudo é espetáculo, apenas o belo pode cruzar sua retina. As luzes artificiais aos poucos vão se apagando, como que se rendendo à majestade do astro-rei, à sua imponência, à sua imensurabilidade.
Andar pela areia, sentir os grãos massagear, e às vezes furar, os pés. Passos lentos, suaves, sem roteiro prévio ou lógico, apenas passos, dois pés que se cruzam, saúdam-se e saúdam o chão.
O sol vai subindo no horizonte anunciando um novo dia, segunda-feira, mas, desta vez, ele dá a impressão que veio homenagear o seu contemplador. Brilha como nunca. Raios fortes, firmes. O homem na praia fita-o, sentindo as pálpebras brilharem, não há qualquer ardor ou cegueira, pelo contrário, seus olhos abrem-se cada vez mais, parecem que se alimentam da luz radiante que salta à sua vista.
As águas estão ainda mais azuis, vários tons, talvez todos, de azul. Caminha em direção ao mar, aos poucos seus pés vão se banhando nas doces águas salgadas. Pequenas ondas recepcionam um ser apaixonado, encantado com o que vê, com o que sente. Fica totalmente à vontade, jamais havia experimentado tal sensação dentro d’água. Um mergulho. Cabelos molhados caem sobre sua fronte. Surfa com o próprio peito. Brinca com a água como uma criança feliz que ganhou um brinquedo novo.
Ao longo de sua vida foram muitos banhos de mar. Nenhum deles acompanhados da magia que este momento está repleto. Calça, camisa de manga longa, cetim, gravata, tudo molhado, ensopado. Mas, e daí?
Calmamente vai saindo da água. Na cidade adiante os veículos já passam de um lado para o outro. Trabalho, escola. Vira-se, prefere olhar para o azul do mar que se mistura, no horizonte, com o azul do céu.
Fecha os olhos para enxergar em outra dimensão. O espetáculo não para, o encanto prossegue. O oceano parece falar com ele, frases de amor. O vento sopra, os cabelos, desta vez, querem voar, porém, o enamorado voa de corpo inteiro. Corpo e, principalmente, alma.
Sentado. Mãos na areia, pra lá e pra cá. Não faz desenhos ou castelos. Os dedos estão gozando da liberdade de não seguirem nenhuma métrica. Olhos abertos em mais um instante quase eterno de abstração.
Súbito, mãos em seu ombro. Perguntas. Choros. Risos. Estava fora de casa há três dias. Família, amigos, todos preocupados. Talvez não com ele, e sim como seria sem ele. Negócios, contas, compras.
Entre abraços é levado de volta, é puxado para a aterrissagem. Precisa voltar à sua vida, à sua rotina, e nela não há espaço para romances consigo mesmo. Sai cabisbaixo. O mar chora. E todo pranto é salgado.