terça-feira, 15 de março de 2011

Beber na feira é cultura


As feiras livres são tradições em nossas cidades nordestinas. Num centro como Campina Grande, acontecem diariamente, mas nas cidades menores, elas ocorrem uma vez por semana, na maioria das vezes aos sábados ou aos domingos. Entretanto, em São José de Piranhas (prefiro chamar Jatobá) o dia escolhido foi a segunda-feira. É uma maravilha, o banco está aberto, as repartições públicas também, a semana começa em grande estilo.

Há alguns anos, eu e mais quatro amigos (Maurício Batista, Diogo Ferreira, Onasses Lins e Nenen de Lero) fundamos o Projeto: beber na segunda é cultura (tem até comunidade no orkut). Basicamente a ideia consistia em tomar uma (na verdade, várias) na feira livre piranhense. Devidamente equipados com câmeras fotográficas e filmadoras, seguíamos pelas ruas centrais de Jatobá colhendo imagens dos frequentadores dos bares e botecos, ou dos transeuntes que circulam em meio às barracas comprando, olhando ou apenas batendo um bom e saudável papo. A iniciativa veio a partir do fato de que beber em um dia de segunda-feira não é fácil, já que todos os pesquisadores precisam trabalhar em outras atividades, e, como diz Mainha, “segunda é dia de branco”. Mas, vez por outra aparecia um imprensado (especialmente o do carnaval) e aí reuníamos a equipe e íamos à feira. Com o passar do tempo, o grupo foi ganhando adeptos com maior ou menor presença: Cidinho (Painho), Filipe Alves, João de Vó (caba bem informado), Alan de Antônio Leite (guru do Alanismo, doutrina que mais cresce nas terras sertanejas), Arão Miguel (discípulo de Alan), Samiran Morais, Wedson do Peixe, Ciço Palitot (que, durante as nossas andanças, não solta o megafone), Laerte França, Irari, Marcelo Batista, Zinga, Luymar, Zena (antes, durante e depois de virar evangélico) Petrônio Ribeiro (autor de uma brilhante definição do dia da feira: “parece noite de ano!”), entre outros. A feira é a melhor representação da diversidade, pessoas de todas as classes sociais (embora alguns não admitam que vão a esses lugares), culturas, credos... cada trabalhador é um artista, mesmo os que não trabalham em arte. A última vez que estive em Jatobá foi durante as férias de final de ano. Não perdi a oportunidade, juntei a patota e fomos aumentar nossa cultura. Dentre os vários pontos altos das filmagens captadas em dezembro, merecem destaque: Iremar Ramalho entrevistando Alan; João de Vicente Lins e Zé Tomaz (Herbert Viana parece com ele) relembrando e cantando paródias suas, de Wilton e de Muriçoca, em especial uma intitulada “Sodoma e Gomorra em Jatobá”, infelizmente não posso revelar sobre quem fala a letra, prometi aos autores; Dira de ressaca trabalhando no seu mercado, enquanto tomávamos uma na calçada do estabelecimento; e Joaquim Cavalcanti assuletrano de maneira magistral palavras como: Gledson, Herminegildo e extraordinariamente.

Na serra da Borborema, mesmo morando há quase quatro anos, ainda não tinha bebido na feira. Entretanto, mesmo não sendo na segunda, resolvi corrigir este grave erro. Convidei Evaldo Soares, caba sabido que entende de informática, física e feira. No sábado, fomos à Feira Central que, segundo alguns frequentadores que conheci entre uma barraca e outra, já foi maior que a de Caruaru (!). Gostei. Fiz bonitas fotos, conheci muita gente boa, gente normal, sem máscaras, reais, que têm a única preocupação de ser elas mesmas. Conversei com um ex-motorista de um famoso jogador de futebol. Fotografei um peru que fez pose para a câmera e um ganso que não queria ser fotografado. Argumentei com um senhor que insistia em saber o porquê de tirar sua foto, disse pra ele que se tratava de um trabalho da faculdade. Sei, menti, mas relembro as sábias palavras do meu amigo Padre Deusimar, durante as poucas vezes que me confessei: “você não vai pro inferno por causa disso”, dizia ele me mandando rezar um pai-nosso ou dois. Convenci o homem, mas ele fez uma ressalva: “só tiro se for junto desse veio” disse puxando um companheiro com quem conversava. Fotografei um feirante que dormia sobre sacos de milho e feijão. Escutei a história de João, um ator das antigas que quase foi enforcado de verdade durante uma apresentação de A Paixão de Cristo (acho que isto já aconteceu também em Jatobá), corri atrás de um vendedor de picolé, destes que fazem propaganda com o famoso “olha o picolé”, tentando bater seu retrato, mas o picolezeiro fugia dizendo não ter dinheiro pra me pagar. Na Barraca do Chumbão, bebi uma cerveja geladíssima, na companhia de Paulinho, amigo de Evaldo, ele relatou a história e as histórias da Feira Central. Durante o percurso aproveitei pra comprar algumas coisas que estava precisando: um cinto, uma chave allen, um aquário e comida pra peixe, paquerei com um tênis, flertei com velas vermelhas e me encantei com flores naturais de várias cores e tamanhos. Seja em Jatobá, Campina Grande ou em qualquer outro lugar, na feira tem de tudo, lá é lugar de todos.

domingo, 6 de março de 2011

Em branco


Recentemente recebi pelo correio um periódico científico de uma famosa instituição federal de ensino, pesquisa e extensão. A publicação traz artigos sobre vários temas de relevante importância para a sociedade (?), todos assinados por pesquisadores que se debruçam sobre livros e passam horas em trabalhos de campo tentando descobrir algo novo que, talvez, mude os rumos da vida humana, ou não... No volume, muitas temáticas são abordadas, entretanto, o que mais me chamou a atenção (não sou cientista) foi o fato de que entre um texto e outro havia uma página em branco, ou melhor, quase em branco. No intervalo entre os artigos tinha uma lauda com a legenda: “Esta página foi deixada em branco propositalmente” (??). Alguém, com certeza, teve a intenção de não escrevinhar absolutamente nada naquelas folhas, mas, como existem os espíritos zombeteiros (aprendi assistindo ao programa do Chaves), outra pessoa com a melhor das intenções, pelo menos para mim que ri muito lendo a revista, resolveu rascunhar a frase intermediando os artigos, deixando as páginas, que estariam em branco propositalmente, com algo nelas. Talvez eu não tenha estudado o suficiente, mas acho que uma página “em branco” é aquela que não possui nada escrito... Todavia, possivelmente eu não deva discordar dos catedráticos, se escreveram que o papel estava em branco, é porque estava, apesar do letreiro explicativo.