segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Liberdade


Estava contemplando o mar. Olhos fixos, um par de olhos verdes observando a imensidão azul. Pés descalços sentindo a areia fria. Braços abertos para abraçar a suave brisa do alvorecer. Nunca antes tinha visto a beleza do nascer do sol na praia, nunca tinha nem mesmo notado o quanto é fascinante a combinação: mar-sol nascente, mesmo morando em um apartamento com varanda para o oceano.
Vira-se, observa a cidade, metrópole que vai acordando. Aos poucos as vidraças dos edifícios à beira-mar vão brilhando refletindo os raios solares. A paisagem urbana é mais dura, menos glamorosa. Mas aos olhos curiosos do observador tudo é espetáculo, apenas o belo pode cruzar sua retina. As luzes artificiais aos poucos vão se apagando, como que se rendendo à majestade do astro-rei, à sua imponência, à sua imensurabilidade.
Andar pela areia, sentir os grãos massagear, e às vezes furar, os pés. Passos lentos, suaves, sem roteiro prévio ou lógico, apenas passos, dois pés que se cruzam, saúdam-se e saúdam o chão.
O sol vai subindo no horizonte anunciando um novo dia, segunda-feira, mas, desta vez, ele dá a impressão que veio homenagear o seu contemplador. Brilha como nunca. Raios fortes, firmes. O homem na praia fita-o, sentindo as pálpebras brilharem, não há qualquer ardor ou cegueira, pelo contrário, seus olhos abrem-se cada vez mais, parecem que se alimentam da luz radiante que salta à sua vista.
As águas estão ainda mais azuis, vários tons, talvez todos, de azul. Caminha em direção ao mar, aos poucos seus pés vão se banhando nas doces águas salgadas. Pequenas ondas recepcionam um ser apaixonado, encantado com o que vê, com o que sente. Fica totalmente à vontade, jamais havia experimentado tal sensação dentro d’água. Um mergulho. Cabelos molhados caem sobre sua fronte. Surfa com o próprio peito. Brinca com a água como uma criança feliz que ganhou um brinquedo novo.
Ao longo de sua vida foram muitos banhos de mar. Nenhum deles acompanhados da magia que este momento está repleto. Calça, camisa de manga longa, cetim, gravata, tudo molhado, ensopado. Mas, e daí?
Calmamente vai saindo da água. Na cidade adiante os veículos já passam de um lado para o outro. Trabalho, escola. Vira-se, prefere olhar para o azul do mar que se mistura, no horizonte, com o azul do céu.
Fecha os olhos para enxergar em outra dimensão. O espetáculo não para, o encanto prossegue. O oceano parece falar com ele, frases de amor. O vento sopra, os cabelos, desta vez, querem voar, porém, o enamorado voa de corpo inteiro. Corpo e, principalmente, alma.
Sentado. Mãos na areia, pra lá e pra cá. Não faz desenhos ou castelos. Os dedos estão gozando da liberdade de não seguirem nenhuma métrica. Olhos abertos em mais um instante quase eterno de abstração.
Súbito, mãos em seu ombro. Perguntas. Choros. Risos. Estava fora de casa há três dias. Família, amigos, todos preocupados. Talvez não com ele, e sim como seria sem ele. Negócios, contas, compras.
Entre abraços é levado de volta, é puxado para a aterrissagem. Precisa voltar à sua vida, à sua rotina, e nela não há espaço para romances consigo mesmo. Sai cabisbaixo. O mar chora. E todo pranto é salgado.