Era um dia como outro qualquer. Afonso acordou atrasado, na
verdade, foram apenas alguns minutos, talvez quinze ou vinte a mais do que ele
costuma se levantar diariamente para ir trabalhar no escritório de
contabilidade Matias Ltda, no centro da cidade. Saltou da cama como um louco,
bateu a cabeça na cabeceira, mas na pressa não teve tempo de dizer “ai”. Correu
para o banheiro, não tomou o banho tranquilo e demorado como de costume, a urgência
não permitiu.
Precisamente às oito e quinze chegou ao escritório, quinze minutos
atrasado, pensou: “Será que vou perder o emprego?”. Entrou, lá já estavam todos
trabalhando, alguns nos birôs, outros andando, havia um silêncio amedrontador,
maldita tecnologia! Nem mesmo podia-se
ouvir o som das batidas da máquina de datilografia, todos usavam
computadores.
Afonso passou alguns instantes parado, observando. Com dificuldade
conseguiu dizer: “Bom dia!”. Os colegas se entreolharam, mas não responderam, com
exceção de Dionísio que timidamente soltou: “Bom!”. Se sentiu pequeno,
humilhado, pensou em dar meia volta e ir para casa, se conteve. Lentamente, cabisbaixo
foi até sua mesa, sentou-se, e começou a ver algumas correspondências.
Temerosamente ergueu a cabeça e viu que Fábio e Estela conversavam com
Dionísio, pela forma com que gesticulavam, julgou que estavam repreendendo o
companheiro. “Meu Deus, foram apenas quinze minutos!”, resmungou entre os
dentes.
Durante todo o restante do dia foi aquele clima frio. Gelo quebrado só
para alguns pedidos meramente profissionais feitos por Dionísio. A cada minuto
Afonso se sentia mais acuado, “Droga, se tivesse sido meia hora.” Pensava o
contador. Nem mesmo para almoçar o convidaram, teve que ir sozinho, e pior, ficou
só na mesa do restaurante, coisa que não costumava acontecer. Não tocou na
comida, deu apenas alguns goles em uma coca-cola que acabou esquentando.
Na volta para o trabalho, pensou sobre sua vida. Morando sozinho em um
apartamento de dois cômodos, sem vida social, ligado vinte e quatro horas no
trabalho, sem amizades verdadeiras, poucas namoradas ao longo dos anos e “todas
feias” como costumava descrevê-las. A última terminou o romance uma semana e
meia após começar, “não me suportou.”
Por volta das três horas da tarde, não aguentou, olhou para Narciso e
segurando-o pelo braço indagou: “O que houve?”, soltando-se, o rapaz respondeu
friamente: “Nada.” Logo saiu brincando com os demais.
“Quinze minutos”, voltou a pensar, era um homem metódico, não suportava a
ideia de atraso, certamente os outros igualmente achavam o mesmo. O tempo foi
passando e finalmente, para Afonso foi uma eternidade, chegou às dezessete
horas. “Graças a Deus! Vou embora.” Falou para si já levantando. Quando estava
pronto para ir, Estela se aproximou, com um sorriso venenoso disse, jogando uma
pilha de papéis sobre a mesa, “O Doutor Matias mandou dizer que você aprontasse
todos estes documentos ainda hoje.” Com esforço, quase sobrenatural, Afonso
rebateu: “Por que não me entregou antes? Está no final do expediente.” Estela, articulando
as palavras numa maldade sensual, falou: “Você conhece o Dr. Matias, ele disse
que tinha de ser hoje.” Afonso ficou sentado imóvel em sua cadeira. Antes de
todos saírem Narciso disse a Afonso para não esquecer de fechar tudo quando fosse
embora. Sozinho no prédio bradou: “Foram apenas quinze minutos!”
Olhou a sua volta, ninguém. Virou-se, viu uma corda, deu um leve sorriso
e se levantou. Pegou a amarra, azul daquelas usadas para laçar grandes touros
“Como veio parar aqui?” Um desejo demoníaco ou divino tomava conta de sua alma.
Riu novamente. Subiu na mesa, amarrou a corda no teto, fez um laço no pescoço e
saltou da mesa. Antes de morrer ouviu alguns sussurros e teve um último
pensamento: “Só quinze minutos.” Debateu-se em vão, esmoreceu enquanto uma lágrima banhava sua face. A porta se abre, seus colegas, com bolo
e velinhas, gritam em coro: “Feliz aniversário...”