De
pé em frente ao espelho, corpo inteiro no reflexo. Olhos a se encarar, observa
não o brilho castanho das íris, apenas as linhas de expressão, pés de galinha.
Tenta esticar com a ajuda das mãos, vira para um lado e outro. Muda o foco para
as pequenas cicatrizes da idade ao lado da boca. Faz ginástica facial. “Fico
mais velha sorrindo!”. Vestida com uma calcinha lilás, aperta os seios desnudos
enchendo as mãos, nota o quanto ainda são duros, tranquilamente pode dispensar
sutiãs. Vira-se para olhar a bunda. Embora empinada, o que mais chama sua
atenção são os buraquinhos que desarredondam o bumbum.
Divorciada,
mãe de três filhos: um estuda no Canadá, através de um programa governamental
canadense; outro preso acusado de estuprar a namorada de 14 anos; a mais jovem
mora com o pai. Aos 52 anos vive na companhia de uma gata dengosa e de um
pinscher nervoso, que cotidianamente aparece arranhado por unhas felinas.
Vai
a academia três dias por semana, disciplinada segue ao máximo o programa do
personal. Corre na esteira, faz musculação, mas não é daquelas aficionadas que
se matam e se privam de alguns prazeres em busca do corpo ideal.
Engenheira
civil, sócia de uma grande construtora, fiscaliza obras, muita
responsabilidade, mulher de foco. Quando está no canteiro se impõe, mostra quem
manda, exige o melhor de quem está no cimento, nas pedras, no ferro, no sol ou
na sombra.
Manhã
de quarta-feira, chega na construção de uma escola, obra já adiantada,
acabamentos finais, foi, acompanhada de uma paisagista, verificar como anda a
finalização da área reservada a um grande jardim, quase uma floresta, exigência
do contratante: “a área verde deve ser a mais importante do colégio” disse num
riso de mil dentes o dono da rede educacional que encomendou o serviço. Anda
pelo espaço, grama, mudas, pequenas árvores trazidas para enfeitar a frente do
futuro educandário. A visão da paisagista se enche de emoção ao ver o verde
exuberante e harmonicamente distribuído. Já a engenheira procura defeitos, desde
o alinhamento das alamedas até sintonia entre a grama e as luzes nos postes.
Mas,
nesta quarta, algo em especial chama sua atenção, um rapaz que regava flores.
Achou contrastante tanta força e delicadeza juntas em sintonia. Parou próximo
ao jovem de cabelos curtos, quase raspados, e braços fortes, sua mão grossa
segurava um regador azul, as rosas banhadas se deliciavam, não se sabe se saboreando
a água ou desejando o moreno. Barba cheia, não grande, olhos firmes, não havia
sonhos em seu olhar. Uniforme amarelo, igual a todos os outros trabalhadores no
local, para ela, porém, aquele homem estava de vermelho, quase vinho, como
seria bom um vinho! Aproximou-se, viu gotas de suor na testa do moço, imaginou
como estaria seu peito suado.
-
Bom dia!
-
Opa! – respondeu o rapaz parando de regar.
-
Como está o trabalho?
-
Normal. Agora tô aqui com as flores, também cuido das palmeiras, das frutas...
tá vendo aquelas árvores ali? Daqui a uns anos aqui vai tá cheio de manga,
cajá, goiaba e até seriguela.
Ela
nem ouviu direito o que foi dito, seus ouvidos estavam longe, seus olhos fixos
nos atributos não profissionais do jardineiro. Cada movimento parecia de
propósito, um simples curvar de braço apresentava um tônus exibicionista. O
delicado gesto de ajeitar o pequeno botão meio caído, era cheio de uma
masculinidade bruta, completa e antagônica, entre pétalas, espinhos e
testosterona.
Daquele
dia em diante, ia todas as manhãs àquela construção, mesmo que não precisasse
de sua presença. De praxe, procurava o jardineiro, sempre suado, charmoso e
atencioso. Conversava amenidades, sorria, passava a mão no cabelo colocando por
trás da orelha, elogiava o jardim, perguntava das árvores... o rapaz, sempre cortês,
derramava desejo pelo canto da boca, exalava tesão pelos poros, o ar se enchia da
vontade mútua.
Todos os dias, antes de ir à obra, ela passava uma hora e meia na academia, três
vezes por semana passou a ser pouco. Correndo na esteira, imaginava as cenas
proibidas que queria ter logo mais: no canteiro de obras, ser jogada no gramado
ou à sombra de uma planta qualquer, um pé de pau! Em todos os exercícios via o
galante cultivador observando suas curvas, babando, parado em sua frente,
cobiçando tudo que a malha mostra e principalmente o que esconde. Passou a fazer
ciclismo e natação.
Em
casa paquerando com o espelho, acaricia-se em cremes, hidratantes, não há mais
estrias ou celulites, os seios, sempre duros, agora olham para cima, calcinha
vermelho paixão, sua jovialidade não cabe no reflexo.
Sábado,
dez horas, chega à escola, ao seu éden, na certeza de que convidará o moreno
suado para um drink, uma dança na noite, ou, se sua ousadia e autoestima permitirem,
um passeio pelas suas flores. Desfila confiante entre andaimes e assobios. Trocou a bota pelo salto, colocou seu sorriso mais brilhante, o rebolado mais rítmico,
o espírito mais luxurioso... Para de frente ao jardineiro, ele congela, trêmulo,
solta uma pazinha cheia de adubo. Grandes olhos negros a fitarem a loira
pintada a sua frente. Ela sorri, ele entende o momento, mãos nervosas, voz
gaga, quase inaudível, após uma respiração demorada, certo de que conquistará a
mulher, xeque-mate, ele diz:
- A senhora quando era nova devia ser bonita!