quarta-feira, 17 de abril de 2019

Travesseiro branco


- Tenho outra!
Ouvi Fausto me dizer isso enquanto acendia um cigarro sentado no pufe, vestido com uma cueca branca. Pernas passadas, pose dominadora, queixo erguido, fumaça saindo do nariz, ar de riso em toda sua serenidade. Vitorioso. Lambe os lábios como se ainda saboreasse a frase. Olha para cima, espelho de teto, admira sua barba bem feita, cortada numa dessas barbearias da moda com cerveja e sinuca, não entende de cerveja e nunca ganhou uma partida encaçapando bolas. Ridículo, sentado no rosa, sua barriga fica mais evidente, devia fazer exercícios, comer menos, come tão mal! Riu em meus pensamentos “como ele não sabe comer”.
Cada tragada uma nova pose, varia o olhar sempre voltando para mim, queria ver minha reação, minha rejeição ou resignação. Permaneço imóvel, totalmente nua, abraçada ao travesseiro branco, testemunha muda de tantos gritos, sentada no centro da cama redonda, lençóis de seda (mentira, imitação barata, mas no anúncio dizia “seda”). Pernas entrelaçadas, quase meditação, olhos fixos nele. Levanta, vai ao frigobar, pega duas cervejas, coloca uma ao meu lado, não oferece.
- Geladíssima! – Fala ao dar um gole do tamanho do seu orgulho. Continuo na mesma posição. Não é a bebida que está gelada! Vai ao banheiro, tenta desfilar em cada passo. Escuto assobios misturados ao som da urina no vaso, descarga. Uma década de namoro, me chamou aqui dizendo que tinha uma surpresa, pensei que me pediria em casamento, anel de ouro, quem sabe pedras, uma para cada ano de sofá. A cilada foi outra.
Chegamos há cerca de duas horas, um pouco mais, clima romântico no início. Beijos suaves e demorados, tirou minha roupa delicadamente, cada peça uma cena, um suspiro. Lingerie lilás, apreciada eternamente, houve quase uma censura em tirá-la, como se não conhece o que havia por baixo. Uma alça do sutiã abaixada enquanto beija o pescoço, a outra quando aperta a bunda, os seios caem em seu peito que logo se torna boca. Gemo, aperto sua nuca, as mãos grossas, ásperas, passeiam nas minhas costas, viajo, saio dali. A suavidade é substituída pelo desejo animal, sou jogada na cama. Cai sobre mim com força, o reflexo acima mostra vermelhos e amarelos, me encaro no teto, apenas a mim. Unhas bordôs arrancam rubro de sua pele, me chama de vadia, pede pra chamar de macho, não atendo. Tapas em meu rosto, fortes, mãos no pescoço, sufoco, não seco, tesão. Para de mexer, ordena:
- Diz que sou corno.
- Corno!
- De novo.
- Corno! O maior corno da cidade, do mundo!
- Isso. Vagabunda!
- Chifrudo!
Os movimentos aceleram, geme mais que eu, olho para mim lá em cima, sorriu lembrando de meus gemidos. Não fala mais comigo, precisa terminar, velocidade, não estou mais lá, talvez nem ele. Para, respira ofegante, me encara satisfeito, dono de tudo. Sempre foi! Vagarosamente tira seu peso sobre mim, minhas pernas abertas, mente fechada, meu coração, hum, nem sei onde estava. Sorrindo vai ao pufe, pego o travesseiro.
- Tenho outra! Não queira detalhes, não darei, não há propósito nisso. Se quiser pergunte, respondo se achar que devo. Ninguém vai morrer!
Retiro o travesseiro, pego a cerveja, não tanto gelada, deslizo pelada no quarto, bebo admirando o quadro de um casal se beijando em sombras, preto e branco, só a boca da moça em vermelho, clichê. Aproximo, dedos alisam sua barba, excessivamente cuidada, aconchego sua cabeça entre meus seios, aqueles que ele nunca soube chupar. Acarinho seus cabelos cacheados, hidratados, digo, com a libertação da verdade e a convicção de quem não gozou:
- Relaxe, Fausto, tenho outros!