domingo, 25 de agosto de 2019

De olhos fechados


A água do chuveiro massageia e tortura sua cabeça, sentada no chão do banheiro, olhos fechados, mente em repetição, ralo em círculo levando o que é impossível esquecer. Queria voltar, talvez tentar de novo, não podia, nunca se pode. Derrete no gelo do inverno serrano, ducha fora da tomada. Suas mãos passeiam pelos azulejos, pernas meditam, cabelos abraçam os seios, olhos fechados!
Todos os seus homens desciam em redemoinho, maremoto. Nenhum deles merecia escapar da correnteza, um talvez, mas este não quis ficar. Histórias de paixão momentânea, amores que se diluem no alívio da respiração ao se recuperar do ofegar. Não há sabonete ou shampoo, sem necessidade, a lavagem é mais leve e natural.
O último deles, maior arrependimento, egoísta, incompetente, acreditava que seu pênis era a coisa mais importante do mundo, uma varinha mágica que podia satisfazer todas as mulheres quando despejava seu prazer unilateral sobre elas, lambuzando-se de júbilo num sorriso saciado e de “missão cumprida”. Soube que ele se vangloriava por fazer todas chegarem ao ápice, orgasmos. Dizia aos amigos, enquanto passava a mão nos cabelos bem penteados, que nenhuma mulher o esquecia porque fazia delirarem conscientes. “Tadinho”, pensou ao apertar com raiva os próprios seios, suas mãos eram melhores que as dele. Mentiu pra ele quando ouviu a pergunta “foi bom?”, ele de pernas passadas, fingindo gostar de cerveja, dono da situação. “Não, não foi bom” ela repetiu várias vezes na cachoeira do box, de modos diferentes, inflexões, intenções diversas, como se procurasse o jeito certo de cuspir a verdade n’aquela barba ridiculamente desenhada.
Quase imóvel, frio, ebulição na cabeça, calor! O melhor deles era tão inseguro de seu sexo que chegava a constranger. “Se garante, porra!” pensava após gozar e ver os olhos penosos dele a quase se chicotear. Ela delirava nos braços firmes do moço, tremia num beijo na nuca ou numa mordida de lábios, um simples olhar... Mas ele também era insuficiente, sua vulnerabilidade foi até charmosa no início, mas passou a incomodar, insuportável. Como seria bom a virtude de um juntada às qualidades do outro, dos outros, um quebra-cabeça, um pedaço de cada: o homem ideal!
Coloca as mãos em concha próximo ao ventre, piscina,  olhos sempre fechados, apenas sente a água escorrer, ainda sentada, voa, lembra do ex-noivo que escrevia poesia, fazia declaração em rede social, flores e violino num almoço de dia dos namorados, ela devolveu o anel no dia 13 de junho, não suportou o clichê. Sua mãe quase morre, perdeu o genro ideal, genro, não marido. O choro da quase sogra não surtiu efeito, os pedidos das amigas não foram suficientes, o rapaz era bonito, inteligente, sensível... insensível ao que ela sentia. Foi se bronzear no dia 14, queria apagar a marca na mão direita.
Sorriu cantarolando ‘Folhetim’, abre as mãos ensaiando uma coreografia sentada. O telefone, lá fora, toca, talvez algo importante, não escuta, canta alto, olhos fechados, sente cada gota no seu corpo. Pensa em Alfredo, Breno, Clóvis, Daniel, Evaldo... Cada um pensando que “pegou ela”, foram presas, descartados pela conveniência dela ou incompetência deles.
Recosta-se na parede, a água continua a cair, lembra-se de Luíza, sua amiga, a única pessoa que a entende, há uns dias dormiram juntas, bêbadas, fim de festa, nunca se sentiu tão acolhida, à vontade, sonhou... Enfim abre os olhos!