Numa
tarde qualquer, de um número aleatório no calendário, estou na fila, antes havia
fila, pra fazer a inscrição da seleção para a Universidade Estadual da Paraíba.
Muita gente, um calor da mulesta! Nessa época o celular só servia pra fazer
ligação e brincar no jogo da cobrinha. Meu passatempo foi olhar as pessoas ao
meu redor, tentar ouvir as conversas alheias, às vezes contar a quantidade de
linhas do piso de mosaico, imaginar desenhos no chão e no teto... Detesto
esperar (há quem goste?). Odeio filas, até quando é pra sobremesa! Lá estou eu,
me achando estiloso: cabelo longo, barba por fazer, óculos escuros na cabeça (o
sol estava lá fora, a temperatura dele cá dentro), brinco de argola na orelha
esquerda, camiseta estampada com a capa do álbum The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, short azul, tênis vermelho, mãos nos bolsos, fantasmas na cabeça, borboletas no coração.
Um
garoto cheio de espinhas chega apressado, suado, não sabe o que fazer, seu
olhar de medo, aflição e timidez procura informações. Não tem coragem de
perguntar nada a ninguém. Anda de um lado para outro, uns riem, eu só observo. Já
fui Daniel como ele agora é. Um outro cara, mais ou menos da mesma idade, se aproxima,
conversam. Juntos vão preencher o formulário do certame. Foi possível ver as toneladas
caírem de suas costas, quase um terremoto passivo.
À
minha frente duas jovens conversam alto, comentam das pessoas, eu também faço
isso, mas infelizmente só tenho a mim para bater papo. Mudam de assunto na mesma
velocidade que tentam arrumar o cabelo. Diálogo de pires. Pensei em ir pro
final do S que ficava cada vez maior. Não fui! Sabia que aquelas meninas tinham
algo a me ensinar.
Atrás
de mim uma mãe com seu filho, ela com a mão no pescoço dele, leoa. Olhos de águia
vigiam tudo ao redor do seu pimpolho. Ele busca em vão uma toca pra se enfiar. Expressão
de briga com o relógio, na sua cabeça os ponteiros estão parados. Imagino que
reza, clama a Deus ou a Nossa Senhora Protetora dos Filhos para não encontrar
nenhum colega, sobretudo aqueles mais gozadores. Vez por outra a mãe arruma a
gola da camisa dele, brinca de ser pente. O moleque respira fundo e alto, espreita
mais uma vez na esperança de que seus amigos venham amanhã ou tenham vindo
ontem.
Minha
ansiedade e o calor sobem exponencialmente. Amarro e solto o cabelo várias
vezes, até por fim deixar um rabo de cavalo, não, no máximo, e melhor das
hipóteses, consegui um rabo de burro.
Uma
moça entra no amplo salão em que as inscrições são feitas. Cabelo roxo, boina vermelha,
maquiagem forte, roupa apertada e curta, bota e meia calça pretas, tatuagem de
fênix na coxa. Segue confiante, nem olha de lado. Todos, até quem não está lá, a
veem, câmeras oculares, com zoons e focos distintos.
Uma
das garotas à minha frente comenta, enquanto aponta o dedo disfarçado na palma
da outra mão:
-
Olha! Tá vendo aquela ali? Acabou de entrar. Com certeza vai fazer Jornalismo. Lá
só dá esse povin assim.
A
amiga concorda com uma gargalhada discreta e assentir de cabeça. A recém
chegada, cantarolando uma canção qualquer, não está nem aí para esse ou quaisquer
outros comentários. Deve ter uns dezessete anos de idade e muito a me iluminar
sobre a vida.
Não
resisto - sou metido, eu sei - peço licença e entro na conversa:
-
Vocês vão fazer prova pra que curso?
-
Odontologia. – Responde a primeira, sua voz denotava tanto orgulho que fiquei
com receio de mostrar meus dentes.
-
Direito. – disse a outra. Na convicção de uma ministra do Supremo, completou –
Quero ser doutora!
Eu
fiz ar de riso e esperei vitorioso na certeza de que a curiosidade gritaria alto
em seus ouvidos e uma delas iria me perguntar o óbvio. A demora foi de apenas
alguns segundos, sarcasticamente deliciados.
-
E você? Vai fazer pra quê? – Questionou a futura dentista.
- Jornalismo. Porque lá só dá esse povin assim!