quarta-feira, 20 de abril de 2011

Versatilidade



Tenho certeza de que se tentasse ganhar a vida no mundo empresarial iria à falência mais ligeiro que carreira de gente com dor de barriga em busca de banheiro. Não tenho tino pros negócios, não sei vender e, às vezes, nem comprar. Mesmo assim, admiro aquelas pessoas que conseguem sucesso no comércio. Conheço sujeitos que são capazes de vender gelo na Sibéria, carne de vaca na Índia e camisa do Palmeiras dentro da quadra da Gaviões da Fiel.

Como não sou um bom negociador, nutro a esperança de ficar rico ganhando na loteria, nem penso na Mega Sena acumulada, é dinheiro demais, não saberia o que fazer com ele. Um dia desses, lá estava eu na fila da casa lotérica aguardando minha vez para fazer uma fezinha. Detesto filas (existe alguém que goste?). Na minha impaciência, bato com os dedos na face, agito o calcanhar enquanto me apoio sobre o peito do pé, observo o movimento no calçadão. Pessoas num constante vai-e-vem. Vendedores de DVD’s piratas, garantindo que seus produtos são originais. Um apóstolo de Cristo que, com um megafone em punho, prega a conversão dos pecadores, anuncia o fim do mundo e a morte dos ímpios. Um palhaço sem graça fazendo propaganda de uma ótica. Muitos ambulantes, um deles, com várias sombrinhas penduradas no braço e uma aberta sobre sua cabeça fazendo seu comercial:

- Olha a sombrinha! Não fique no sol, se proteja contra o câncer de pele. Olha a sombrinha!
Meus olhos se detêm naquela figura. A fila parece não andar, ao contrário do vendedor de sombrinhas, que se movimenta de um lado pro outro, sobe num canteiro, aborda transeuntes, vende uma toda estampada a uma senhora que, com muita elegância, abre o objeto e sai desfilando.

Olho pro relógio, estou atrasado, o cara do caixa conta dinheiro, a pregação do apóstolo começa a me incomodar. De repente, um vento frio, o céu fecha, nuvens carregadas aparecem do nada, a voz no megafone avisa que aquilo é apenas o primeiro sinal. Cai um toró. As pessoas correm em busca de abrigo, algumas estudantes colocam os cadernos protegendo as cabeças, é melhor molhar os conteúdos estudados na escola do que estragar a pranchinha dos cabelos. Olho pro ambulante das sombrinhas, penso alto “e agora?”. O camelô, com um grande sorriso nos lábios, continua seu ofício:

- Olha o guarda-chuva...

sábado, 9 de abril de 2011

Não sou brasileiro


Sempre me considerei um cara patriota, não sou desses que o sentimento de amor à nação aflora a cada quatro anos. Tenho a Bandeira do Brasil em casa, sei cantar o Hino Nacional e também o da Independência. Não gosto de usar terno, mas, nas poucas vezes que visto paletó, exibo com orgulho um broche com o lábaro brasileiro na lapela. Mesmo assim, apesar de ter nascido na Paraíba, descobri que não sou brasileiro. Explico: o fato é que, por alguma jogada de marketing, venderam lá fora a imagem de que somos o país do carnaval, futebol e samba. Quando me lembrei disso, começaram as minhas inquietações acerca de minha nacionalidade.

Há muito tempo não pulo mais carnaval, participei da folia nos idos das matinês no Jatobá Club, ao som da orquestra de frevo formada por Hernani (os dois), Zé de Riba, Erasmo, Zé de Hernani, Neguin, Babata, Sargento Vandique, Valdeci Araújo e muitos outros. Depois ampliei meus horizontes carnavalescos, passei a pular (literalmente) nas festividades de rua em Cajazeiras, na época em que a folia acontecia na praça João Pessoa, ao som do trio elétrico Onix. De lá pra cá, abandonei o carnaval, geralmente fico em casa ou saio com alguns amigos em busca de diversão, mas nada que se pareça com a festa de Momo, no máximo, uma jogada ou outra de maisena na cara dos companheiros.

Enquanto ao futebol, nunca foi bom, na verdade, fui o pior jogador da escola, um dos piores da rua e o segundo pior da família, meu irmão Júnior conseguiu a façanha de ser mais perna-de-pau do que eu. Eu só jogava quando era o dono da bola, ou amigo do dono, ou então quando a quantidade de atletas fosse um número par, assim eu tinha que jogar senão um time ficava desfalcado, mas eu sempre era o último a ser escalado, consequências do “par ou ímpar”. Jogando na zaga fiz gol contra, no ataque cometi “cheiradas” inacreditáveis e agarrando tomei frangos memoráveis. Isso não me chateava, enveredei pelo basquete, joguei em todas as posições, fui campeão em jogos escolares e era um dos primeiros a ser escolhido.

No campo do samba, aí é que fico fora do tom, devo, como disse o poeta, não ser um bom sujeito. Não tenho coordenação motora o suficiente para o mexe-remexe desse ritmo, ou de qualquer outro estilo musical. Na melhor das hipóteses, arrisco um “dois pra lá dois pra cá” no forró, e antigamente, na época das tertúlias, ao som do DJ Leudemir França, me atrevia a dançar uma “música lenta”, como chamávamos as canções internacionais, que, na nossa cabeça e no nosso inglês péssimo, falavam de romances.

O Brasil é um país de dimensões continentais, unificado apenas pela língua, temos várias culturas, estilos, ritmos, crenças, tradições. Dançamos xaxado, fandango, carimbó, coco, cururu, ciranda; lutamos capoeira; tomamos cachaça, bebemos chimarrão; festejamos o São João (Campina tem o maior do mundo), o Sírio de Nazaré; nos fantasiamos para o bumba-meu-boi, o boi-bumbá, as cavalhadas, o maracatu; montamos pastoris, reisados, quadrilhas juninas; cremos em Deus, em Iemanjá, em Jesus, nas psicografias de Chico Xavier, no Padre Cícero, na Mãe-d’água, em nada. Mas, mesmo assim, somos o país do CARNAVAL, FUTEBOL E SAMBA. Não conseguindo me equilibrar nesse tripé, acabo me sentindo meio órfão de pátria, precisando ter uma nação pra chamar de minha. Então, salve a República Independente de Jatobá!

sábado, 2 de abril de 2011

As asas da ratazana


A dureza do vento molha
Cabelos, unhas e alma
Uma mão firme olha
A violência da calma

As pedras em movimento
Não conseguem se encontrar
Nos pés um pensamento
Do devaneio de andar

No ar vaga um beijo
Procura de face, destino
Invisível o que vejo
Homem lúcido em desatino

Barulho de penas n’água
Esqueleto de carne e urina
Vida de alegria e mágoa
Suando fumaça e neblina

Mulheres trepando na pia
Todos vomitando no teto
Lua cheia ao meio-dia
Linhas do círculo reto

Fogos apagando cigarros
Busca da cura letal
Bolhas de sabão em escarros
Começo após o final.