Calça
preta, camiseta no mesmo tom, apenas detalhes discretos dourados (mas, sem
brilho), sapatênis azuis, relógio grande forjado em titânio. Em pé em frente ao
espelho, minutos, sentiu-se bonito, lindo, como nunca havia se visto. Até seus
finos braços, que sempre fez questão de esconder, pareciam musculosos. Pronto
pra seduzir, irresistível. Olhou o reflexo, desejou a si mesmo. “Eu me pegava”,
sussurrou sensualizando para sua imagem. Borrifou, plasticamente em movimentos
largos, perfume com nome de carro, olhos nos olhos, sempre.
Quase
não sai de casa. Como se deixar? Mas, tinha que ir, estava determinado: o dia
do caçador! Virou-se decidido. Jogou as chaves do carro para o alto em sinal de
segurança, as agarrou de volta como um punhal. Partiu! Som ligado no carro,
olhos vez por outra no retrovisor, não para ver o que havia atrás, olhares!
Mãos no volante batucando no ritmo da música, arrisca versos desafinados como
se estivesse no chuveiro.
Chega
ao destino. Bar amplo com vários ambientes. Festa dos anos 70, local ideal para
paquerar, namorar, conquistar... Antes de descer do veículo olhou-se mais uma
vez, imaginou as várias possibilidades de como terminaria a noite, mas, em
todas, tinha uma certeza, seria uma noite inesquecível na cama com alguém deslumbrante.
Entrou,
dono de si e de tudo. Parou, todas as luzes se voltaram para ele. Deslizou
entre mesas. Era capaz de sentir os olhares de desejo ou inveja o fitarem.
Todas as mulheres, alguns rapazes, cobiçaram o recém-chegado. Encontrou a
metade de seus amigos na festa, juntou-se aos dois.
Viu
uma morena, sorriso de anjo, olhos do demônio, vestido que mostrava os joelhos,
tornozelos grossos, sandálias vermelhas, gestos sutis, aliança na mão direita,
acompanhada de três amigas. Aproximou-se com seus amigos. “Ainda sobra uma, dou
de conta!” Disse ao colega que sorriu engolindo o veneno.
Entre
uma música e um petisco, uma dança e uma dose, um dos amigos beija uma das
moças, o outro parece estar perto disso. Ele investe na morena que mostra o
dedo anelar. O tempo passa, o sorriso angelical se despede sem aceitar
companhia. Os dois companheiros saem junto com as outras moças, as três.
Muda
o foco. Uma loira (pintada), baixinha, cintura fina, seios proporcionais, bunda
empinada, calça jeans, blusa vinho, casaco e botas pretas, segura, taça na mão,
drink vermelho, olhar inquieto, movimentos confiantes. Sozinha ao lado de um
balcão, conversa com a moça que prepara as bebidas.
Ele
senta ao lado, pede a carta, coça o queixo como se entendesse algo que ali estava
escrito.
-
Inferno! – sugeriu a loira.
-
É bom?
-
É como eu! Mas, serve pra você.
Deixa
dada. Sabia que apenas sua forma de sentar ao lado daquela mulher seria
suficiente, palavras não eram mais necessárias, mesmo assim preferiu abrir a
boca:
-
Vamos juntos ao inferno?
-
Meu fogo é outro! – Disse a moça piscando para a bartender.
Uma
ruiva, outra morena, duas negras, loiras não (ficou traumatizado). Todas
passaram tão perto. “Mas, foi porque eu não quis” disse se despedindo do
segurança barbudo de quase dois metros de altura.
Foi
embora na companhia do sol. Som mais alto que antes, batidas na direção, gritos
fora do tom, uma certeza: Não havia ninguém pra ele naquela noite. Entrou em
casa, acendeu todas as luzes (pra quê?), deixou pedaços de roupa e de si no
caminho da sala ao quarto. Deitou a se possuir, lambuzou-se dele mesmo e dormiu
saciado.
"Narciso acha feio o não é espelho...", diz o poeta.
ResponderExcluirSem narcisismo, nada somos... Com narcisismo em excesso, nada interagimos...
Cada um precisa encontrar em si, o seu médio necessário Narciso de cada dia...