Sentado
nas pedras do dique à beira-mar, observa o vai e vem das ondas, sente a brisa,
o sol começa a derreter no azul, na cabeça mil pensamentos no mesmo movimento
das águas. Camisa vermelha de mangas, dobradas abaixo do cotovelo, calça meio
amarela, quase dourada, com detalhes roxos, pés descalços, isqueiro na mão
direita, barba por fazer, cabelos assanhados. Horas antes havia matado alguém
que amava, com o passar dos anos passou a odiar. Quando decidiu cometer o crime
quis fazer com que houvesse sofrimento, uma morte lenta, com muita dor, dando
chance para arrependimento (seja no autor ou na vítima), reflexão para todo o
feito durante os últimos anos de convivência. Cada passo foi premeditado,
medido. Estava convicto da necessidade de matar aquela pessoa, já que não
conseguia extirpar o amor que sentia por ela.
Brinca
com o isqueiro, acende e apaga, passa o indicador pela chama, sorri satisfeito com
o oceano, o fogo, o passado recente, a decisão. Ao seu lado um caranguejo anda
pra trás, pensa o quanto sempre retornou, mas, agora, não regressaria, nunca
mais. Sol vermelho com a metade afogada, vento penteante, maresia doce, areia
circulando... O fogo do isqueiro, azul, confusão com o mar, o céu, azul...
Uma
vida dedicada a alguém na premissa de que estava certo em tanta devoção, dias e
dias tentando agradar uma ilusão, a eterna esperança de que tudo será diferente
amanhã. Dormir, quando possível, em geral noites de insônia. Seria possível
mudar para agradar, ou ser o que sempre se foi seria mais honesto?
Pessoas
passam no calçadão da praia, caminhantes, turistas, namorados, enamorados do mar,
paisagens bonitas, fotos, sorrisos, vendedores, artistas e seus sorrisos
(verdadeiros ou não), tanta gente interessante, quantos outros invisíveis... Um
assassino sentado na pedra, na pedra, à pedra, a pedra. Sem arrependimento e
indiferente a todos ao seu redor. Um covarde? Jamais! A morte foi frente a
frente, um espelho, todas as verdades e motivos ditos sem cerimônias ou
censuras, vítima e executor em surpreendente resignação, nada de culpa, sem
ressentimento, compreensão mútua... era esperado! Dias, anos, uma eternidade adiando
o que tinha que ser feito. Ele queria matar, não tinha coragem. Teria que matar
o amor de sua vida, que sabia, precisava morrer. Uma tortura entre a hora de
dizimar e o momento de ver a última respiração daquela pessoa que foi o seu ar.
No outro lado do reflexo a conformidade em saber do fim próximo. Sem alarde, nada
de pedido de socorro. Pra quê?
O
barulho das ondas quebrando nas pedras, supera as conversas na calçada, um
sorriso demoníaco surge, prazer em matar, nunca havia matado, sentiu-se leve,
abriu os braços, quase asas, uma ave colorida, sua luz tirava o brilho do mar, a
lua (substituta do sol) não era nada perto dele, tons de vermelho e dourado
cobriam todo seu corpo, se chovesse os raios cairiam, em sinal de reverência,
sobre ele, não choveu, não naquela noite.
Planejou
durante meses, arrependia-se a cada nova etapa cumprida. Não podia ser de
supetão, não, jamais uma morte súbita. Um tiro mataria muito mais ele. Lento,
cruel, a crueldade era necessária para se desvencilhar, precisa ver o
sofrimento atravessar sua retina, sofrer junto, chorar, chorar até secar os
olhos, até a dor se transmudar em sorrisos.
A maré sobe. Um mergulho tiraria a última gota
de remorso. Um defunto que ninguém sente falta, um assassino-herói, forte. “Merecia
morrer”, pensou enquanto tirava a roupa. Lua acima, um casal trepando, coqueiros
se descabelando, tênis de marca no calçadão, amigos compartilham um baseado,
uma coruja observa, o mar grita, a areia dança, ao longe um violão (ou será
guitarra?)... Um homem nu, assassino, convicto, confiante, mergulha no salgado,
um banho, batismo, renascimento... Matou, e daí? Mataria de novo! E matará se
for preciso, sempre é! O mar levou sua alma, devolveu seu corpo. Horas antes cometera
suicídio!