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Seis meses!
Foi
a frase do doutor Graciliano Alfredo, médico renomado, fama de nunca ter errado
um diagnóstico. Frio, metódico, dedicado ao ponto de se preocupar muito mais
com a doença do que com o paciente. Gostava de curar, mas preferia uma descoberta,
dava alta com a mesma carranca de quando desacreditava um doente. “O melhor de
todos!” diziam alguns parentes de quem superou males graças à sua competência. “É
chato, um porre, mas não quero para amigo.” Alardeavam outros justificando a procura
por uma consulta.
Augusto,
o homem sentado a frente do médico, sentenciado com meia dúzia de meses antes
de beijar a morte. Há mais tempo que isso perambula de clínica, em hospital; de
raio x, em tomografia; de agulhas, em gotas... nas imensas filas ou nos fundos
sofás de sala de espera, ouviu tantas histórias, lamúrias, choros e vitórias,
que não sabia mais diferenciar as lágrimas.
O
médico olhou todos os exames, uma pilha, releu suas anotações, subiu e desceu
na tela do computador, óculos na testa, outros no jaleco, nenhum nos olhos, não
teve dúvida, nem receio. Nunca foi homem de medir palavras, pra ele “a verdade
é a verdade” mesmo que doa. Ligou a contagem regressiva, cada minuto a passar significava
a aproximação do fim.
Augusto
não questionou, nenhuma pergunta, observou o movimento nos dedos do doutor, nervosos,
viu seu semblante mudar, decepção pela falta de pranto, drama, na visão de Graciliano.
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Tenho recomendações, exigências para você poder viver melhor. – Disse, limpando
os óculos, que não usara, num lenço verde.
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Por seis meses?
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Sim.
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Não morrerei se cumprir sua lista?
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Não se trata disso, falo de saúde.
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Eu de vida. Esqueça doutor, não vou fazer regime pra minhas botas estarem mais
limpas quando as bater.
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Seis meses é máximo, deixe de ser burro, se não se cuidar será menos!
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Tenho quarenta e um anos, de abril a setembro, tanto faz se em julho. Escuta,
sabia que me diria isso, sempre soube, antes mesmo dos incômodos, sonhei com
esse dia. Trouxe uma garrafa...
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Garrafa?
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Vinho, chileno, dos baratos é o melhor. Tinto. Tá aqui na mochila.
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Você não pode beber, muito menos aqui.
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Chame a polícia ou o enfermeiro, mas eu só trouxe duas taças. – Disse colocando
os cálices sobre a mesa.
Rosca
o saca-rolha, o médico não acredita no que vê. Augusto fala sobre o processo de
produção do vinho, já foi sommelier, garçom, produtor de uvas... Abastece lentamente
as taças, coloca a garrafa próximo à réplica de um crânio humano, ergue seu
copo em movimentos cilíndricos.
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Aos outros!
O
líquido é entornado com sabor, Graciliano dá um tímido gole, perplexo.
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Já sabia – fala o paciente – Vim comemorar, não a notícia de hoje, mas as de
ontem, anteontem, desde quando não tinha agenda ou relógio, ou quando fiz questão
de rasgar as páginas e parar os ponteiros. O que importa não é se vou morrer,
mas se eu vivi!
Augusto
se levanta, taça na mão, observa os diplomas e quadros nas paredes. O médico
relaxa na cadeira vermelha, coça o queixo, dá outro gole, maior. Havia um
estudo enrustido, quase telepático, entre cientista e cobaia. Mais gole, copo
seca. O paciente volta pra próximo à mesa, levanta a garrafa, quase seca,
finaliza na taça de Graciliano.
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Tenho outro, argentino. – diz Augusto abrindo a bolsa.
- Talvez um ano!
Excelente reflexo da alma humana quando entende que o caminho percorrido é mais importante que a chegada, ou melhor, que a "alegria" da chegada só tem sentido se o caminhar foi prazeroso.
ResponderExcluirParabéns meu irmão
É evidente que quem bebe vive mais. Como fica mais afortunado... como fica mais feliz... como fica mais...
ResponderExcluirÉ evidente que quem bebe vive mais. Como fica mais afortunado... como fica mais feliz... como fica mais...
ResponderExcluirÓtimo texto!!
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