Resolvi, então, ser padre, me tornei o
seminarista. Um dia em uma casa de pensão encontrei Clara dos Anjos, diziam que ela era uma mulher obscura, um demônio
familiar, para mim, porém, foi a ressurreição. Tivemos bonitas histórias
da meia-noite. Os espectros do passado se tornaram fogo morto. Mas
infelizmente nosso romance foi apenas um sonho de domingo.
Com isso, sai do seminário. O bispo, Dom
Casmurro, que apesar de ser humano demais, não gostou da ideia,
quis saber o porquê, fez várias perguntas, foi o santo inquérito, mas
nada adiantou, estava decidido.
Voltei para o ateneu em que estudava antes. Algum tempo
depois, junto com alguns amigos, éramos seis, formamos os pastores da
noite, uma turma que gostava de curtir a vida noturna. Às vezes me lembrava
de os dois amores que tive, mas minha vida agora era outra, minha mãe
dizia que era a bagaceira. Nós adorávamos usar as máscaras de
carnaval. Alguns hipócritas preconceituosos cochichavam quando nos viam “eles
não usam black-tie”, mas nós não ligávamos e continuávamos com nossas sinfonias
feitas com cavaquinho e saxofone.
Em uma noite na taverna conheci uma
mulher casada, Marília de Dirceu, começamos a ter um caso, nossos
encontros eram em o cortiço que havia no bairro e em um motel chamado tenda
dos milagres. Já que ela era comprometida
não podíamos revelar nosso amor, nos conformávamos com o silêncio dos
amantes. Acontece que Dirceu descobriu nosso romance. Na hora o que
passou pela minha cabeça foi fugir da Via Láctea. O marido enfurecido me
encontrou, tive que me defender. Marília se tornou a viuvinha, e eu, o prisioneiro.
Na cadeia conheci muita gente: Quincas Borba, um
homem que se intitulava de o pagador de promessas, um lunático que dizia
ser o homem que matou Getúlio Vargas e até uma drag queen que usava um
indefectível vestido de noiva e que gritava ser a mulher que matou os
peixes, não entendi nada. Lá o que mais tinha eram diálogos impossíveis.
A pior coisa na penitenciária era que ali eu
não conseguia sentir duas coisas que aprendi a observar: o tempo e o vento.
As primaveras que passei não tinham flores, só espinhos, mas não
reclamava, sabia que estava passando por o castigo da soberba.
Certa vez, encontramos um colega de cela
pendurado nas grades, se enforcou com um lençol, em sua camisa estava escrito “a
morte e a morte de Quincas Berro D’água”, ele gostava desse apelido, alguém
ao meu lado gritou: “o que é isso companheiro?”, aí eu disse: “isto é o
triste fim de Policarpo Quaresma, espero que tenha melhor sorte em outra encarnação”.
Quando sai da prisão, tentando esquecer o
passado, pensei em entrar para a legião estrangeira, mas tudo que via ou
ouvia me trazia de volta as velhas memórias do cárcere. Bom, pelo menos
consegui um emprego, entrei para uma equipe de vendas chamada de capitães da
areia, andávamos pelo país do carnaval vendendo tudo que é
bugiganga. Minha função era vender relíquias de uma casa velha, objetos
que ninguém queria comprar. Não fiquei rico, mas vivi boas aventuras: descobri as
mentiras que os homens contam, encontrei
as mulheres que correm com os lobos, conheci os sertões e
o grande Sertão: veredas, vi pessoas e suas vidas secas, passei
por cidades mortas, me encontrei com cangaceiros, ouvi as vozes
da América e a música do Brasil, consegui até, acreditem, ver o
sorriso do lagarto. Numa dessas viagens, quando passávamos por uma
cidade chamada Pedra Bonita, observei uma dupla de repentistas fazendo
desafios, primeiro cantaram as memórias de um sargento de milícias,
depois duelaram rimando com as memórias póstumas de Brás Cubas. Ali
fiquei alguns minutos e conheci Helena, a filha do diretor do circo, que estava na cidade, ela
era linda, tinha um brilho que eu jamais havia visto, parecia uma mulher
vestida de sol. Nos
conhecemos e iniciamos um namoro. Sai das vendas e entrei para o circo, me
tornei palhaço, meu nome era Caramuru.
O pai de helena era um péssimo patrão, morava
num grande trailer, enquanto os outros artistas se amontoavam em pequenas
barracas. Parecia a divisão casa grande e senzala. Helena também sofria
com as atitudes do pai, coitada, era uma pobre menina rica.
Em uma manhã fui informado que Helena tinha
sido mandada pelo pai para uma cidade grande a fim de estudar. Novamente fui
abandonado. Sai do circo e nas margens do rio piedra eu sentei e chorei. Descobri
que há uma gota de sangue em cada poema e que amar, verbo
intransitivo.
Depois de ter passado pelas torturas de um coração, hoje, sento na minha cadeira de balanço, fico lembrando minhas histórias sem data, e agora sei que querendo um lugar ao sol vivi o verso e reverso da moeda. Mas não perdi a esperança, afinal, não adianta chorar o leite derramado, sei que para todos existe a hora da estrela, a minha ainda vai chegar, nem que para isso eu tenha que ir viver aventuras em outro solo, sei lá, talvez em Budapeste.
Parabéns Júlio, o trocadilho que você faz com nossa literatura é fantástico, é como está contemplando uma biblioteca.
ResponderExcluirParabéns Júlio, o trocadilho que você faz com nossa literatura é fantástico, é como está contemplando uma biblioteca.
ResponderExcluirValquíria
Parabéns pela obra! E pelo passeia maravilhoso na literatura.
ResponderExcluirBrilhante
Que texto maravilhoso!!! Que ideia genial reunir grandes obras literárias em um mesmo texto. Parabéns, Júlio!
ResponderExcluirParabéns Júlio Cesar, pelo conto muito bem distribuído. Viajei com você literatura a dentro. Você tem uma mente privilegiada.
ResponderExcluirMassa! Que citações as obras literárias!!!
ResponderExcluirMuito bom!!! As obras no desenrolar da história, parabéns pela criatividade!
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