As pessoas na mesa ao lado discutem sobre os
limites dos cartões de crédito. Se dizem controlados e admitem que precisam
economizar, sei lá. Tento me concentrar em meu copo, não consigo. As falas,
muito altas, como se fossem pra chamar a atenção, tiram o prazer da minha
loira.
Os dois homens abastados dialogam sobre quem tem o
maior limite de crédito. É coisa de muitos zeros, algo irreal para o meu
orçamento e para o meu cartão que, no meu bolso, fica tímido diante do poder
dos concorrentes. A conversa é de alto nível, ou melhor, de altas cifras e alto
som. Todos escutam, as mesas se tornam plateia, teatro de arena,
estrategicamente a dupla está no centro. Eu, bem próximo, sozinho com minha
garrafa, penso se todos prestam atenção à conversa dos milionários. Devo ser
curioso, um verdadeiro fuxiqueiro. Mas, a quem irei contar esta história?
Falam quantas operadoras de cartão cada um possui,
o que elas oferecem, como administram. São conscientes, conseguem controlar os
gastos. Mesmo assim o que qualquer mero mortal precisa ralar, economizar, para
conseguir, os meus vizinhos colocam como limite mínimo para gastos mensais em
cada fatura.
Faço um esforço tremendo (mentirinha literária) para
não ouvir o bate-papo, mas, os protagonistas fazem questão de serem escutados,
não posso decepcioná-los. “Por mês, gasto num cartão dez a doze mil, n’outro é só
cinco paus. Passou disso, só compro no dinheiro.” Diz um dos caras, enquanto dá
um gole num copo de cerveja (cerveja? pensei que rico só tomasse whisky - escrito
assim mesmo, afinal, tem que ser escocês).
Fico pensando o que dois homens tão endinheirados
fazem num boteco destes. Bar pequeno, o dono, de camisa regata, e sua esposa,
fazem todas as tarefas: cozinham, atendem, servem, não existem dez por cento,
nem cinco. No ambiente o comerciante diz: “E aí moral, uma cervejinha gelada?
Me dero um freezer, que boto as garrafa em pé, é bom demais, congela não, fica
tudo no ponto.” Mesas na calçada. Copos americanos, nada de taças. Os
transeuntes cumprimentam os consumidores. Boteco tranqüilo. Semana passada,
perto daqui, teve tiro, nenhum freguês ferido, ainda bem. Sou cliente assíduo,
nunca vi nada que não estivesse “sob controle” como dizem a polícia e o SAMU,
que aparecem às vezes para atender aos chamados telefônicos.
Os caras ao lado, sempre bem-postos, pernas
cruzadas, coluna ereta, conversam sobre compras no shopping (das esposas),
automóveis, futebol, não sobre quem é o melhor jogador, mas, quanto cada
empresa patrocinadora investe nos clubes.
As
horas vão passando. O tom da conversa ao lado, que também já é minha, vai no
mesmo ritmo. Em certo momento, um da dupla dinâmica (não sei se Batman ou
Robin, já que os dois são Bruce Wayne) diz que vai embora. Pedem a conta. Eu
fico triste, ao mesmo tempo em que agradeço a Deus. O dono do botequim
questiona: “Vão não, ainda tem muita cerveja.” Não tem acordo. A conta vem: quarenta
e oito reais. “De quê?” “Uma cerveja aqui é seis reais?” “É um absurdo!” Os
vizinhos, para solucionar o impasse, clamam à matemática, que não os ajuda.
Agora, falam baixo, quase sussurram, os demais fingem não ouvir, eu estou de
orelhas em pé (não sou santo). Um puxa o celular, coisa moderna, eu só tinha
visto na televisão. Faz a conta das cervejas mais uma fava, discorda da
máquina. O álcool começa a me deixar tonto, a confusão do lado me deixa nervoso.
Pensei em fazer uma caridade, não fiz. Levantei, disse ao botequineiro que
pendurasse minha conta, fui embora fazendo questão de não dar ouvidos às
lamúrias da mesa do lado.