sexta-feira, 27 de julho de 2018

Num bar de Campina

As pessoas na mesa ao lado discutem sobre os limites dos cartões de crédito. Se dizem controlados e admitem que precisam economizar, sei lá. Tento me concentrar em meu copo, não consigo. As falas, muito altas, como se fossem pra chamar a atenção, tiram o prazer da minha loira.
Os dois homens abastados dialogam sobre quem tem o maior limite de crédito. É coisa de muitos zeros, algo irreal para o meu orçamento e para o meu cartão que, no meu bolso, fica tímido diante do poder dos concorrentes. A conversa é de alto nível, ou melhor, de altas cifras e alto som. Todos escutam, as mesas se tornam plateia, teatro de arena, estrategicamente a dupla está no centro. Eu, bem próximo, sozinho com minha garrafa, penso se todos prestam atenção à conversa dos milionários. Devo ser curioso, um verdadeiro fuxiqueiro. Mas, a quem irei contar esta história?
Falam quantas operadoras de cartão cada um possui, o que elas oferecem, como administram. São conscientes, conseguem controlar os gastos. Mesmo assim o que qualquer mero mortal precisa ralar, economizar, para conseguir, os meus vizinhos colocam como limite mínimo para gastos mensais em cada fatura.
Faço um esforço tremendo (mentirinha literária) para não ouvir o bate-papo, mas, os protagonistas fazem questão de serem escutados, não posso decepcioná-los. “Por mês, gasto num cartão dez a doze mil, n’outro é só cinco paus. Passou disso, só compro no dinheiro.” Diz um dos caras, enquanto dá um gole num copo de cerveja (cerveja? pensei que rico só tomasse whisky - escrito assim mesmo, afinal, tem que ser escocês).
Fico pensando o que dois homens tão endinheirados fazem num boteco destes. Bar pequeno, o dono, de camisa regata, e sua esposa, fazem todas as tarefas: cozinham, atendem, servem, não existem dez por cento, nem cinco. No ambiente o comerciante diz: “E aí moral, uma cervejinha gelada? Me dero um freezer, que boto as garrafa em pé, é bom demais, congela não, fica tudo no ponto.” Mesas na calçada. Copos americanos, nada de taças. Os transeuntes cumprimentam os consumidores. Boteco tranqüilo. Semana passada, perto daqui, teve tiro, nenhum freguês ferido, ainda bem. Sou cliente assíduo, nunca vi nada que não estivesse “sob controle” como dizem a polícia e o SAMU, que aparecem às vezes para atender aos chamados telefônicos.
Os caras ao lado, sempre bem-postos, pernas cruzadas, coluna ereta, conversam sobre compras no shopping (das esposas), automóveis, futebol, não sobre quem é o melhor jogador, mas, quanto cada empresa patrocinadora investe nos clubes.
                            As horas vão passando. O tom da conversa ao lado, que também já é minha, vai no mesmo ritmo. Em certo momento, um da dupla dinâmica (não sei se Batman ou Robin, já que os dois são Bruce Wayne) diz que vai embora. Pedem a conta. Eu fico triste, ao mesmo tempo em que agradeço a Deus. O dono do botequim questiona: “Vão não, ainda tem muita cerveja.” Não tem acordo. A conta vem: quarenta e oito reais. “De quê?” “Uma cerveja aqui é seis reais?” “É um absurdo!” Os vizinhos, para solucionar o impasse, clamam à matemática, que não os ajuda. Agora, falam baixo, quase sussurram, os demais fingem não ouvir, eu estou de orelhas em pé (não sou santo). Um puxa o celular, coisa moderna, eu só tinha visto na televisão. Faz a conta das cervejas mais uma fava, discorda da máquina. O álcool começa a me deixar tonto, a confusão do lado me deixa nervoso. Pensei em fazer uma caridade, não fiz. Levantei, disse ao botequineiro que pendurasse minha conta, fui embora fazendo questão de não dar ouvidos às lamúrias da mesa do lado.

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